26.9.24

ROTA VICENTINA 26/09/2024 Cavaleiro (Cabo Sardão) - Zambujeira do Mar

 

A Santa Cama, no alojamento Luz e Sal, em Cavaleiro.

Dormi maravilhosamente, na melhor e mais confortável cama de Portugal! Gosto muito de dormir em parques de campismo, mas não há como intercalar as noites de tenda com noites passadas numa caminha. Um corpo que caminha mais de 20 quilómetros por dia merece alguns miminhos.

Acordei com energia e às 7h30 estava a sair do alojamento. Havia duas possibilidades como destino nesse dia: o Camping Villa Park Zambujeira, na Zambujeira do Mar, que distava cerca de 12 km, ou o Camping Monte Carvalhal da Rocha, na praia do Carvalhal, um pouco mais longe, a cerca de 19 km de onde eu me encontrava.

Optei pela primeira hipótese, não só devido à chuvinha que persistia, mas também porque gosto muito da Zambujeira e da sua praia, já há algum tempo que sentia curiosidade em conhecer o seu parque de campismo, e, no fundo, apetecia-me estar num lugar mais animado.

A caminhada foi muito relaxante, num trilho agradável e fácil, em piso de terra dura, quase sempre sem grande inclinação. Atravessa-se um longo esteval que imagino que seja lindo de percorrer durante a Primavera, quando a planta está em flor.

Às 11h já estava na Zambujeira do Mar!


O Camping Villa Park Zambujeira é um lugar excelente para se passar uns dias.

O meu cantinho, sob os ramos de generosas árvores.

Foi uma excelente ideia ficar neste parque de campismo, que parece uma pequena aldeia. Tem muita vida, está excelentemente organizado, tem tudo aquilo de que possamos precisar e os funcionários, desde recepcionistas a empregadas da limpeza, são simpáticos e aparentam estar felizes no seu trabalho. Foi o que senti quando vi senhoras, do agora frequentemente mencionado Indostão, a conduzir carrinhos elétricos, onde levavam o material de limpeza e roupas necessárias para prepararem os quartos das várias moradias que por lá há a alugar, com a satisfação estampada nos rostos.

O parque de campismo tem wi-fi; postos para carregamento de telemóveis; máquinas para trocar notas em moedas; um café-bar muito agradável, com muita oferta de salgadinhos para petiscar, aberto até às 24h (onde fui atendida por um senhor de uma simpatia ímpar que me informou das máquinas para trocar notas em moedas); um mini-mercado muito completo; microondas; máquinas de lavar e secar roupa; multibanco; piscina e jacuzzi; balneários de uma limpeza meticulosa, onde tomamos duche a ouvir música... Na verdade, deve haver quem nem sequer saia do parque de campismo e passe ali dentro as férias inteiras. Tendo em conta que estava um dia de chuva, aquele foi o lugar perfeito para passar o resto do dia e a noite.

Pela noite paguei 12,65 € (a que se acrescentam os 9,00 € que gastei para lavar e secar a roupa suja que já me ocupava um saco inteiro). Nada caro, portanto.



Durante toda a tarde, a chuva caiu, incessante. Na tenda, passei o tempo o melhor que pude: 






Fiz umas posturas de yoga adaptadas ao espaço disponível;












Observei detalhes estéticos resultantes do efeito da chuva sobre as coisas, como estas duas elegantes folhas que vieram colar os seus corpos mortos, mas ainda belos e elegantes, sobre o nylon da minha tenda;









e continuei a ler a amada Patricia Highsmith! Depois de O Diário de Edith, seguiu-se Doce Doença; outro que se devora, melhor ainda sob o tilintar de gotinhas inquietantes. Que escritora! Todos os livros dela são tão visuais, consigo perfeitamente distinguir o que leio em elaborados quadros cinematográficos, encadeados uns nos outros, até criar um filme inteiro na minha cabeça.

Por volta das 16h, as nuvens deixaram de se torcer em água, e aproveitei essa janela para ir até à vila.

Praia da Zambujeira do Mar








Desci até à magnífica praia da Zambujeira, para me pasmar com as rochas de xisto espalhadas pelo areal.









Fotografei e fotografei e fotografei a beleza de uma praia única, batida pelo vento molhado, habitada por rochas que, como lanças, desafiam a inclemência do mar, inclinadas, folheadas, com suas varizes de quartzo. Fortes e constantes.








25.9.24

ROTA VICENTINA 25/09/2024 Vila Nova de Milfontes - Cavaleiro (Cabo Sardão)

 

Vila Nova de Milfontes vista do lado oposto do rio Mira, sob o nevoeiro.

Desta feita, dormi bem. Embalada pelo tamborilar da chuva sobre a superfície frágil da tenda. Choveu toda a noite, mansamente. A meio da madrugada, acordei, assustada: sons dissonantes, ruídos semelhantes a trovões, destacavam-se do tom monocórdio, apaziguante, da chuva leve. Abri a porta da tenda para espreitar, preocupada que estivesse, repentinamente, no meio de uma brutal trovoada. Afinal, eram os meus vizinhos. Ali perto, estava acampado um grupo de adolescentes alemães, que só àquela hora entravam para as suas tendas. Ora, os fechos de correr das tendas a abrir e a fechar criavam a sonoridade orquestral de uma verdadeira trovoada. E eis que, com a experiência, compreendo melhor o porquê da expressão francesa fermeture éclair, que deu origem à nossa palavra composta "fecho-éclair" (éclair = raio, trovão).

Acordei às 5h30. Bebi dois cafés instantâneos frios - esquisitice que já começava a entranhar - e meditei um bocadinho. A minha, bem intencionada, meditação acabou por se resumir ao planeamento atabalhoado de como raio (éclair outra vez!), sob aquela chuva molha-tolos, iria desmontar a casa e arrumá-la, bem como ao resto, dentro da minha mochila.

Mas consegui! Envolta na escuridão, usando a luz do meu frontal e uma perícia que começava a granjear, ouvindo, não as corujas da outra noite, mas os roncos de alguns vizinhos alemães - daqueles que tocaram na orquestra-éclair - antes das 7h tinha tudo arrumado e às 7h em ponto estava a sair do parque de campismo. Ainda não tinha amanhecido.

Fiz uma breve paragem numa pastelaria para o café e o queque e às 7h30 já tinha os pés no trilho.






O trilho foi magnífico. Menos cansativo do que o do dia anterior, apesar de ter feito mais quilómetros (até Almograve foram 14,5 km e daí até onde estou a pernoitar, Cavaleiro, no Cabo Sardão, mais 10 km). A chuva molha-tolos e algum nevoeiro acompanharam-me durante todo o percurso.






Até Almograve, é um trilho sempre muito verde. Por vezes, esquecia-me que estava a caminhar sobre areia numa zona dunar no Alentejo e pensava que estava numa floresta tropical na Indonésia!

Ainda que seja bonito, há que ter em conta que muita da vegetação que reverdece aquela paisagem é invasora, como a acácia-das-espigas, e sufoca a verdadeira vegetação dunar autóctone.






Por outro lado, a flora chega a ser tão densa, que estreita ainda mais caminhos já por si estreitos e torna por vezes difícil a passagem, especialmente para quem transporte mochilas grandes, como eu, ainda por cima com um colchonete apenso em baixo que me alarga as laterais uns bons centímetros.

Mas não há dúvidas de que é um troço bonito, que se percorre com deleite, até se chegar à simpática povoação de Almograve.






Quando planeei a caminhada, pensei em pernoitar em Almograve nesta fase do percurso, mas seriam poucos quilómetros desde Milfontes, e na vila não teria grande coisa para fazer até ao dia seguinte, para além de que não havia muito alojamento disponível, na altura em que fiz as minhas pesquisas. Poderia relaxar um pouco na praia de Almograve, que é belíssima, mas o meu objetivo não era fazer praia, mas caminhar. Por isso, decidi seguir até uma povoação pequenina no Cabo Sardão - Cavaleiro.




O troço de Almograve ao Cabo Sardão foi a parte mais bonita da caminhada deste dia.

Vi os mais belos rochedos e avistei as mais belas aves! Fiquei especialmente encantada com os corvos marinhos, que me fascinaram como me costumam fascinar as garças e as gaivotas, aves para as quais posso ficar a olhar durante horas.


São aves contemplativas, com uma certa solenidade. Na crista das rochas, os corvos marinhos permanecem por longo tempo, a observar o oceano e as lonjuras para onde não lhes apetece voar.

No lugarejo de Cavaleiro aluguei um quartinho numa casa simpática, para descansar a ossatura, meio amolgada pelas noites de tenda! Fiquei no alojamento Luz e Sal. Gostei muito, e ainda dei umas braçadas na piscina! Por um quarto privado, com usufruto de cozinha, sala e piscina, bem como uma casa de banho, partilhada, mas apenas com um outro hóspede, paguei 50,00 €. 

Cheguei ao alojamento por volta das 14h. Estava encharcada. Apanhei chuva durante a maior parte do caminho. No meu quartinho, muito simpático, pus a roupa a secar em cabides que espalhei pela divisão. Ainda vesti o fato de banho e fui dar umas poucas braçadas na piscina, para alongar os membros e massajar, com o ímpeto da água, os meus ombros, já fartos de peso. Depois, tomei o duche mais revigorante de sempre, vesti-me e fui dar uma volta por Cavaleiro, onde fiz umas comprinhas para o jantar. 







Depois de escrevinhar umas coisas e ler outras tantas, aproveitei a acalmia da chuva para ir até ao Cabo Sardão. Foi uma excelente ideia, porque foi o passeio mais romântico de toda a Rota!





Pude assistir ao acender do farol, que, sob aquele nevoeiro, tomou nuances sebastiânicas, e com o rugir do mar e a solidão do lugar (não havia vivalma, para além de mim), senti profundamente a alegria de existir.

24.9.24

ROTA VICENTINA 24/09/2024 Porto Covo - Vila Nova de Milfontes

 


Durante a noite, ouvi o oceano a rugir, bem como um par de corujas que estiveram a meter a piadeira em dia. Sim, é verdade, não dormi muito bem. Depois de ler um pouco de O Diário de Edith, da Patricia Highsmith (perfeita companhia para um périplo solitário!), apaguei o frontal, deviam ser umas 21h e tal. Por volta da 1h30 acordei e fiquei a ouvir as corujas até às 5h! Mau material, é no que dá. Não tenho nem um colchonete suficientemente confortável nem um bom saco-cama (este é mais velho do que Quéops), e enfim, já não tenho aquele corpo elástico dos 20 anos, quando nem precisava de colchonete para ter uma noite de sono profundo numa tenda.

Acordei definitivamente às 6h30, mas abrindo a porta da tenda e espreitando lá para fora, topei com a noite mais escura, que nem o brilho pressentido do olhar das corujas, que entretanto tinham fechado a matraca, aclarava. Na verdade, nesta altura só amanhece por volta das 7h30. Por isso, fiz um cafezinho instantâneo, que bebo frio pois não trouxe chaleira, espetei com o frontal na testa e escrevi umas linhas. Quando tive luz suficiente, comecei a desmontar a casa e a arrumar a tralha e às 8h já estava a sair do parque de campismo.


Antes de seguir caminho pela Rota, fui beber uma bica a uma pastelaria na rua principal de Porto Covo, a Rua Vasco da Gama, e não resisti a um queque gigante como guarnição. Uma caminheira de topo precisa de combustível! Porto Covo é uma aldeia bonita, viva e simpática, onde me senti sempre muito bem.

Depois, meti-me ao trilho, e passados 15 minutos já estava a pensar no que é que poderia deixar pelo caminho para aliviar a minha carga... talvez o que é mais pesado... a tenda! Não é boa ideia. Seguindo em frente. Foi um trilho muito exigente - condição agravada pelos 15 quilos que levava às costas - devido ao piso, quase exclusivamente de areia, e a certas subidas e descidas íngremes nas rochas, que se tornavam muito desafiantes com o peso que eu transportava.

No entanto, a magnificência inenarrável da paisagem ao longo de todo o percurso compensou bem o esforço. Falésias-esculturas, cinzeladas pelo tempo e pelos elementos; gaivotas passando à minha altura, pois que sobre aqueles penhascos eu aproximava-me do seu patamar, com as asas escancaradas para a liberdade; pequenas baías, entre ousados promontórios (na ponta dos quais vislumbrei pescadores lúdicos que se aventuravam ao sargo), formavam as mais idílicas e acolhedoras praias.






A primeira praia que avistamos, depois de partir de Porto Covo, é a praia da Ilha do Pessegueiro, que é como penetrar numa tela do Romantismo. Aquela ilha, onde habitam as ruínas de um fortim e gralhas-pretas.




Quase a chegar ao Porto das Barcas de Vila Nova de Milfontes, ainda tive direito a vislumbrar um golfinho, que brincava sozinho - como eu!



Cheguei ao Porto das Barcas às 13h e à vila de Milfontes às 13h30. Foi uma caminhada de 5 horas.

Fui direta para o Parque de Campismo de Vila Nova de Milfontes, que nada tinha a ver com o luxo do da noite anterior em Porto Covo, mas, na sua simplicidade, é limpo e tem tudo o que é necessário e só me custou 10,05 € pela noite! 

Calcorreando as ruelas da vila, deparei com um sinal que partilho aqui convosco, pois parece-me importante que as pessoas estejam informadas sobre o impacto negativo desta mania de amontoar pedras, ao jeito de mariolas, na natureza, como que para simbolizar qualquer coisa mais ou menos espiritual, nem sei. O ser humano não sabe mesmo estar com as mãos quietinhas, tem de meter o dedo em tudo.



23.9.24

ROTA VICENTINA 23/09/2024 São Torpes - Porto Covo

Com uma mochila de 15 kg às costas parto para uma jornada solitária de oito dias pela Rota Vicentina!

Partida de Setúbal para Sines com o autocarro da Rede Expresso das 08h15. O autocarro chegou com 25 minutos de atraso. Vem de Lisboa e por isso apanha com os habituais engarrafamentos matinais na zona da ponte 25 de Abril. Estou sentada no último banco do autocarro, lugar de promoção: paguei 5,45 € pelo bilhete. Se tudo correr bem, devo chegar a Sines por volta das 10h45. Depois, ainda terei uma caminhada de 1h30 até ao início do trilho, na praia de São Torpes. Já no trilho, será uma caminhada de 10 km até Porto Covo. Conto chegar ao parque de campismo lá pelas 15h. 

A caminhada de hoje acabou por ser muito cansativa devido aos 9 km iniciais desde a paragem da Rede Expresso em Sines até à praia de São Torpes. Desci por ruelas até à baiazinha onde se encontram os portos de pesca e de recreio de Sines (uma pequena baía bem bonita) e daí segui pela beira da A26-1, o que não foi boa ideia! De início havia uma ciclovia na berma da autoestrada e estava confiante de que poderia continuar por ali, poupando em quilómetros. Mas a partir de certa altura deixou de haver caminho pedonal e eu cortei para uma estrada municipal, a M1109, e por ali prossegui. Caminhar à beira daquela autoestrada foi o pior momento do dia e, apesar de exequível, desaconselho vivamente.

Praia Vasco da Gama, Sines.
                                   
Da praia Vasco da Gama avista-se o porto de pesca de Sines.

O trilho em si, já com os pés na Rota Vicentina, foi magnífico. Vamo-nos afastando da zona industrial de Sines, por uma costa xistosa e apaziguante, para penetrar no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Há praias deslumbrantes ao avizinharmo-nos de Porto Covo, como a da Samoqueira - que cria uma piscina natural muito bonita!


Afastando-me da zona industrial de Sines.
Ao longe, o terminal de contentores e o terminal de GNL do Porto de Sines.
    
Praia da Samoqueira.

Estou no Parque de Campismo Costa do Vizir Beach Village. Vim cá parar por engano, pensando que me dirigia para o parque de campismo municipal! É um parque de campismo fantástico, mas caro. Paguei 27,00 € por uma noite. No entanto, sabe bem estar num ambiente sossegado. Tomei um duche retemperador, com água quentinha e excelente pressão, nuns balneários limpos e espaçosos.

Balneários do Camping Costa do Vizir.

A minha humilde moradia por esta noite.

Um jantar fresquinho ao pôr-do-sol, numa área do parque com mesas para piquenique.

Amanhã a saga continua com uma caminhada de cerca de 20 km até Vila Nova de Milfontes. Agora vou aconchegar-me no meu frágil bunker com a minha companheira desta viagem, a Edith, ao som das vagas oceânicas ao longe e das insones corujas aqui por cima, entre as ramagens dos longos eucaliptos que me abrigam.